6 de março de 2009

Sur le zinc

Esteja encostado num canto ou timidamente acomodado nos fundos, o balcão é o ponto central sobre o qual orbita a essência dos cafés parisienses - dos mais respeitáveis aos mais amistosamente condenáveis.

As funções desse pseudo-organismo vivo são múltiplas. Nele alguns articulam idéias geniais com a mesma facilidade com que outros se perdem entre as folhas do jornal que lê sobre o balcão. No balcão, amigos de longa data se confraternizam de um lado, estranhos se apresentam de outro e desafetos discutem no meio - um ritual autônomo de celebração à simplicidade. Nesse mesmo instante, em outros balcões, confidências são feitas, sonhos distantes se tornam facilmente realizáveis, piadas são contadas, relacionamentos começam e outros tantos terminam...

Os balcões de zinco: símbolo marcante dos cafés parisienses.

Nos balcões parisienses são tecidas as soluções para todos os problemas do mundo, ainda que os sinceros defensores de causas tão nobres precisem recorrer a umas e outras como instrumento de descompressão momentânea para, aí sim, saírem em defesa da humanidade. Sobre o zinco dos balcões parisienses poemas são escritos, negócios são fechados, são discutidos filmes de guerra e feitas canções de amor... O útil e o fútil também circulam entre vozes, risos, lágrimas, sucessos e fracassos. No balcão de um café, há vida enfim.

E dedico então este artigo ao balcão parisiense, símbolo pleno de significados e marco sagrado que serve, inclusive, para delimitar o espaço de circulação concedido à clientela. Apesar de ser marca registrada dos típicos cafés e brasseries de Paris, poucos são os recém-chegados à cidade que reparam num curioso detalhe quando se acomodam no balcão para um petit café ou um apero (aperitivo). Falo agora das folhas de liga de zinco e estanho que revestem os balcões desses estabelecimentos.


Blabla de zinc: criado pelo cartunista Chimulus, as charges das 'conversas fiadas' ao redor do balcão de zinco retratam com humor cáustico o panorama político francês no jornal 20 Minutes.

O comptoir en zinc, como é chamado por aqui esse tipo de balcão foi imortalizado no romance L’Assommoir, escrito por Emile Zola em 1877. O livro foi editado em português com o título de A taberna, mas acredito que essa tradução jamais tenha sido lançada no Brasil. Literatura a parte, os balcões de zinco surgiram em Paris na segunda metade do século XIX por um motivo simples: como alguns cafés e brasseries trabalhavam com poucos funcionários para atender os numerosos clientes que ficavam de pé diante do balcão, o revestimento de zinco permitia que esses clientes fossem atendidos mais rapidamente - pois é justamente esse tipo de balcão que faz com que copos e taças deslizem com facilidade por toda a sua extensão, igualzinho vemos nos filmes.

As expressões “filosofia de boteco” ou “conversa de bar” difundidas no Brasil têm como equivalentes em francês os termos culture sur le zinc (cultura sobre o zinco), blabla de zinc (blá-blá-blá de zinco) e histoire de comptoir (história de balcão). Portanto, quando alguém diz em francês o termo sur le zinc, se refere na verdade ao balcão de um café. A todos, um ótimo final de semana.

“O balcão de um café é o parlamento do povo”. Honoré de Balzac

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