A Shakespeare and Company: um dos meus lugares preferidos no mundo.
Deus abençoe essa bagunça! Um dos dormitórios da Shakespeare & Co.
(...)Imediatamente pensei que não existe melhor maneira de se viver a história de um livro do que estando dentro dela. Saltei na estação Cité agradecendo ao acaso pela minha distração, tão oportuna, me proporcionar mais um de meus pouco freqüentes passeios inevitáveis. Sai da estação bem no mercado de flores da Île de Cité - o maior e mais tradicional mercado de flores e plantas de Paris. Tão logo ganhei a calçada fui saudado pelos sinos da catedral de Notre Dame.
Ainda eram 8 horas, e quando virei a esquina pude ver a linda fachada da Notre Dame se erguendo majestosa em meio ao frio e à escuridão da manhã. Havia poucas pessoas nas ruas e percebi que a catedral ficava ainda mais bonita com sua entrada completamente isenta dos milhares de turistas que a visitam todos os dias. Segui pela face norte da catedral, avançando pela rue du Cloitre Notre Dame. Passei pelos seus cafés e lojinhas de souvenir ainda fechados. Virei na Square Jean XXIII e parei sobre a ponte para apreciar o amanhecer num dos trechos mais bonitos do rio Sena.
O céu estava cinza, como costuma estar nesta época do ano em Paris, e um prenúncio de chuva ia se tornando mais iminente a cada instante. Mas por um momento o Sol decidiu aparecer, conferindo às nuvens sobre a extremidade Leste do rio Sena um tom alaranjado como eu nunca vira antes - jamais pensei que o céu pudesse se adornar com uma cor daquelas. Os raios do Sol, ao atingirem as maciças estruturas da Notre Dame, tingiram suas grossas paredes em vários tons de laranja. Decididamente eu não contava com esse espetáculo logo pela manhã.(...)
Aqui, uma vista do salão principal da livraria.
Segui pela outra margem do rio Sena em direção ao Café Panis - o ponto de encontro diário dos escritores que se hospedam na Shakespeare and Company. De frente para o Panis lembrei-me da descrição que o livro faz sobre o lugar, e pude ver as quatro cadeiras altas que são objetos de disputa entre os escritores para que possam fazer suas anotações sobre o pesado balcão de madeira enquanto tomam um petit café - no Panis o café servido no balcão custa metade do que custaria na mesa, e isso faz muita diferença para um escritor em inicio de carreira que trabalha apenas para ter onde dormir e o que comer. Pude ver através da porta envidraçada do café a maciça estante cheia de livros, descrita em detalhe por Mercer - detalhes que viviam apenas na minha imaginação e agora estavam ao alcance das mãos.
Panis, o ponto de encontro dos jovens escritores da Shakespeare & Co.
Atravessei a rua e depois dela o pequeno parque municipal que guarda a árvore mais velha de Paris. Plantada em 1602, ela precisa hoje ser sustentada por escoras de madeira e concreto para não cair. Mas segue imponente, com suas poucas folhas já secas pelo efeito climático do Outono francês. Ao sair do parque, lá estava minha Meca literária: Shakespeare and Company.
Ninguém conhece Paris como ela: Madame Robinier vive na cidade há mais de 400 anos.
Passei pela fonte Wallace e sentei-me defronte a livraria sob uma das cerejeiras que fazem uma agradável sombra sobre leitores que, como eu, se esquecem da vida ao folhear os livros expostos na calçada. Observei com atenção a pequena porta verde ainda trancada. A porta por onde passaram grandes nomes da literatura. A porta que abriga tanta vida e tantos sonhos. Acabei por descobrir, meio sem querer, que a estreita estante externa onde são colocados os livros durante a atividade da loja servia também como caixa de correio durante a madrugada. Em uma das prateleiras repousava uma única carta endereçada a George Whitman.
(...)Admirei o interior da loja através da vitrine. Pude ver diversos livros sobre o comunismo e algumas pesquisas literárias sobre a vida de escritores outsiders como Jack Kerouac e Charles Bukowski. Ainda levaria algumas horas para que os residentes da livraria despertassem para abrir a loja - a Shakespeare and Company abre diariamente do meio-dia à meia-noite, inclusive aos domingos e feriados.
Saindo do mítico número 37 da rue de la Boucherie, andei até a rue Saint Jacques para encontrar o bar Polly Magoo - o preferido de Jim Morrison, que viveu em um hotel próximo e onde os escritores da Shakespeare and Company fazem seus happy hours em comemorações especiais. Atravessei a Saint Jacques para entrar na rue de la Huchette, atualmente a rua dos restaurantes gregos para turistas. Nessa estreita rua, onde os aliciadores de turistas quebram pratos de cerâmica barata na tentativa de chamar a atenção para seus restaurantes, em outros tempos viveu um jovem soldado do exército francês chamado Napoleão Bonaparte, na casa de número 10.
E sozinho, caminhando por entre ruas estreitas, esta manhã eu percebi, talvez mais do que nunca, o quanto amo esta cidade e me encanto com ela. Quanta vida há em Paris. Vida em plenitude e essência. Quanta história presenciou cada pedra daquelas calçadas por onde andei, cada árvore pela qual passei, cada degrau das escadas da minha livraria de sonho. O que aquelas paredes poderiam me contar? Hoje se fez nítida para mim a sensação de que em Paris não é preciso muito para ser feliz.(...)
No video, uma breve apresentação da Shakespeare and Co. por Sylvia Whitman, filha de George Whitman e atual gerente da loja.
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3 comentários:
fantástico!
Ótimo texto.Fui seguindo mentalmente seu itinerário e me senti em Paris.Só fui conhecer esta livraria depois de assistir ao filme Antes do Pôr-do-Sol que junto com o que o antecedeu é muito bom.Desde então, me interesso por tudo que diz respeito à ela.Já li "Um livro por dia" e coincidentemente,esta semana uma amiga me emprestou"Shakespeare and Company-Uma livraria na Paris do entre-guerras" de Sylvia Beach,mas ainda não comecei a leitura.
Sem palavras para expressar o que senti ao ler essa matéria que, além de muito bem escrita, ainda traz uma delicadeza e uma riqueza de detalhes que me transportaram a Paris. Até parece que eu estava ali com você, caminhando por aquelas ruas. Ir a Paris e não visitar a livraria Shakespeare & Co é uma gafe imperdoável, que quase cometi. Confesso que não tinha conhecimento dessa preciosidade, mas minha irmã é super fã do filme “Antes do Pôr do Sol” e fazia questão de passar por lá. Sorte minha! Infelizmente, não tive muito tempo para poder curtir, tanto quanto você, esse momento mágico de andar por aquelas redondezas com calma, curtir todas aquelas obras, mas deu para sentir o quanto aquele ambiente é especial. E para quem ama ler, como eu, aquilo ali é simplesmente um paraíso!!!
“Hoje se fez nítida para mim a sensação de que em Paris não é preciso muito para ser feliz...” – engraçado, a primeira frase que saiu de minha boca quando saí do hotel e fui caminhar pelas redondezas foi “não dá pra se ter mau humor em Paris”. Por onde olhamos há beleza, eu sorria o tempo todo, completamente embasbacada, apaixonada, encantada... talvez os parisienses tenham me achado maluca... he he he
Obrigada por nos brindar com esse texto. Confesso que meus olhos encheram-se de lágrimas de tanta emoção. Valeu mesmo!
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